segunda-feira, 23 de março de 2015

Ode à Adolescência

para JBS,

hoje a tecnologia respira-nos a presença,
a loucura ao lume
numa parte incerta deste silêncio transnacional
onde o nosso diálogo é contínuo.
dantes, o corpete cor de vinho e o vinho como um rumor,
os pulmões queimavam já os cigarros precoces.
dantes, o teatro da tragédia e os palcos inacessíveis.
digamos: caí na adolescência como numa emboscada,
uma sobrevivência serena junto a um existencialismo incansável;
como um Nietzsche convocado no cemitério
ou Opeth no hardclub com o resto dos poetas.
uma rosa a Baudelaire e outra a Sartre
como prioridade na viagem de família a Paris.
todas as manhãs eram a continuação da noite
e todas as noites, minto, a tecnologia respirava presenças
já na altura.
era esta virgindade exausta que habitava o poema
inventava narrativas lubrificadas
inventava-te em lábios por estrear
queria a tua morada
sem saber se existias
e ainda assim escrevia-te, descrevia-te
e a fome sorria
enquanto alguém batia punhetas dolorosas
à custa do meu desprezo.
hoje a tecnologia respira-nos a presença
e eu na altura
a madrugada para a qual acordavas todas as manhãs.


22.03.2015

Lisboa



Sara F. Costa

Quantum Entanglement


Andava eu a tentar comer literatura francesa, existencialismo em duas frentes,
Fazer de mim um aldeão culto, que não sabe sequer quando se plantam batatas,
Desafiando professores com experiências comprovadas na cabana,
Onde ainda se podia encontrar a curiosidade dos alquimistas e o cheiro
A enxofre entranhava-se nas raízes do cabelo, e nos ossos dos animais
Encontrados mortos no monte, desistia já de encontrar a teoria de tudo,
Tinha embirrado com a matemática e via que das minhas mãos nunca
Sairia nada melhor que as punhetas que batia abençoadas pelas senhoras
Do baralho de cartas da loja dos trezentos, e tu, tu já mais poeta que eu
Alguma vez serei, tu que já sabias tocar as cordas da perversão dos
Animais que são todos os homens, eu ainda acreditava que cada batida
Me aproximava mais do inferno, recolhia dinheiro na missa,
Lia Nietzsche às escondidas em casa do padre, onde havia imensos álbuns
De música clássica e televisão por cabo, e tu a incendiar vontades
À distância, eu quanto muito, escrevia mensagens quando os meus
Amigos queriam mostrar-se românticos a quem queriam foder,
Contudo, apesar das longas tardes à beira do rio no Verão,
Na companhia do Hemingway, à noite sentava-me nas escadas
Do avô morto com os primórdios da barba molhados pelo primeiro grelo
E tu, apenas com palavras, a marcar mais fundo, que aquelas primeiras
Cuecas que despi, ainda hoje me fascina mais aquele movimento
Que a morte, a revelação, a aparição, tu, longe, latente,
Gloriosa em toda a tua inocência perversa, enfant terrible,
Ainda nos dedos o cheiro da professora da mesma escola
E nós lado a lado, com uma fome adiada, lembras-te.

21.03.2015

Turku


João Bosco da Silva